Amor, o melhor remédio.

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Participamos de uma reportagem do “Jornal Pampulha” sobre cuidados. Lindas, inspiradoras e divertidas historias de amor. Cuidadores familiares encontram no afeto, no bom humor e nas redes sociais uma forma de enfrentar a difícil realidade de seus doentes, compartilhar informações e receber apoio.

Por : BÁRBARA FRANÇA

– “Tu é meu amigo?”

– “Eu sou teu neto!”

–“Meu neto?”

– “Sim, filho da tua filha. Ou seja, teu neto”.

– “ Uéééé…”

– “Por quê?”

– “Mas não é meu amigo?”

– “Sou teu neto E TEU AMIGO”.

– “Ah bom, viu, eu sabia que tu era meu amigo”.

– “Claro que eu sou!”

Assim, confusos e cheios de afeto eram os dias do estudante gaúcho Fernando Aguzzoli, 22, ao lado da avó Nilva, diagnosticada com Alzheimer. Tendo cuidado dela nos seus últimos seis meses de vida (ela faleceu em dezembro do ano passado, pouco antes de completar 80 anos), ele encontrou no bom humor e nas redes sociais uma forma de enfrentar a difícil realidade e compartilhar informações e receber apoio.

Seja acompanhando idosos ou pacientes que sofreram sérios acidentes cerebrais, as experiências de alguns cuidadores mostram que injetar risadas e liberar endorfina nas situações difíceis só torna tudo menos pesado, algo que a psicóloga Marina Botelho, especialista em atendimento sistêmico de família, assina embaixo. Segundo ela, o bom humor é benéfico porque ele reconhece as limitações da própria situação. “É tratar com legitimidade, parar de ter dó e rir dos desafios”, comenta.

A receita da psicóloga parece urgente diante de uma realidade nada animadora, em que cresce a cada dia o número de cuidadores familiares diante do envelhecimento rápido da população, e cai substantivamente a saúde e qualidade de vida dos mesmos. “Quando eu vi que a doença estava avançando, e que ela precisava de cuidados, eu resolvi ser um pai para minha avó. Sempre me diverti tanto com ela e este podia ser um período que não voltaria”, explica Aguzzoli, que pediu demissão do emprego e trancou o curso de filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul para se dedicar integralmente aos cuidados.

É esse dia a dia animado, por vezes difícil, que o gaúcho de Porto Alegre retrata no livro “Quem, Eu? – Uma Avó. Um Neto. Uma Lição de Vida” (176 págs., Belas Letras, R$ 34,90, em média), a ser lançado em Belo Horizonte na terça-feira (29). “Quando você vê que a pessoa que você ama está buscando seu nome na cabeça ou não sabe onde ela está, você fica mal, isso é normal. Cheguei a entrar em depressão, até que consegui usar o humor. O simples fato de poder conviver com a doença foi gigante nesse processo. Eu não aceitava a doença, até que vi que podia me divertir com isso e me divertir com a vó”, conta Aguzzoli.

A peleja em procurar um cachorro escondido nas gavetas da cômoda – “‘perai’, mas não era um gatinho?” –, ou a teimosia em afirmar já ter descido com o lixo e depois cobrar o neto avoado são alguns dos divertidos relatos que ele posta na página “Vovó Nilva”, criada no Facebook para compartilhar a convivência dos dois, material que inspirou o livro. Da presença de Pelé na seleção brasileira de 2013 à dificuldade em definir se o bicho de pelúcia era um pinguim ou uma coruja, tudo era motivo de sorriso e ganhava as curtidas dos quase 75 mil seguidores da página. Grande parte deles, como é possível ler nos comentários, elogia a paciência do neto, seu carinho e se dizem motivados em seguir adiante, enfrentando as mais diversas dificuldades que um cuidador de paciente com Alzheimer pode encontrar.

Para uma delas, aliás, Aguzzoli oferece uma boa solução. Quando Vó Nilva precisou usar fralda por conta de uma infecção intestinal, ficou bastante constrangida. “Peguei a fralda e coloquei em mim. Dessa forma, ela ficou muito mais à vontade para fazer o mesmo. Foi incrível. Ficamos ambos de fralda, achando graça”, lembra o gaúcho, provando que é possível encarar com leveza o dia a dia da doença.

Troca de experiência

Se outras pessoas, inspiradas pelo gaúcho, precisaram adotar a mesma estratégia para convencer alguém a usar fralda, não se sabe, mas o fato é que compartilhar experiências pode ser muito bom.

Para a psicóloga Marina Botelho, a resiliência é a capacidade humana de driblar e tirar proveito dos sofrimentos. “Quando você expõe uma dificuldade sua e outras pessoas também dividem, isso vai fazer com que a pessoa se sinta mais forte para superar os desafios. A pessoa vê que não é difícil só para ela, que ela não está sozinha, isso anima, dá motivação”.

Foi buscando essa força que a aposentada mineira Ana Heloisa Caldas Arnaut também criou um espaço na rede. A página “Alzheimer, Minha Mãe Tem” já tem quase 140 mil curtidas e nasceu da repercussão em torno de um vídeo no qual apresenta um bate-papo com sua mãe, dona Anna Izabel Arnaut, antes de dormir. “O que você é minha?” pergunta Ana Heloisa para a mãe, no que ela responde, empolgada com a própria condição: “filha!” e emenda um “você é muito educada”. O diálogo já teve mais de 17 mil visualizações, inclusive de usuários da rede de outros Estados, como comenta a própria autora.

Para ela, a interação filmada e tão comentada no mundo online faz parte do dia a dia da casa, sempre recheado de atividades lúdicas e boas risadas. “A gente adora brincar, usamos umas bolinhas bem fraquinhas e coloridas, jogamos pra ela, quando deixamos cair, significa que ela ganhou, e ela adora ganhar! A gente sempre ter que perder”, confessa a filha, só para ver sua mãe mais feliz. Boneca, tricô e até animais de estimação também distraem dona Anna Izabel, que no instante da entrevista estava dançando na sala do seu apartamento no centro de BH. “Ela gosta de MPB, música clássica… muito barulhenta não”, conta Ana Heloisa.

Mãe e filha sempre foram muito unidas, tanto é que elas sempre moraram na mesma casa, mesmo depois do casamento. Assim como Aguzzoli, a motivação para o cuidado é a gratidão. Eles aprenderam a perceber a velhice com outros olhos e reforçaram ainda mais o potencial da família unida.

O que, segundo o geriatra Marco Tulio Gualberto Cintra, é benéfico inclusive para o tratamento do paciente. “Geralmente, quando a família está presente, a quantidade de medicamentos pode ser menor. Além do mais, não se tem tanta perda de peso, já que os problemas para fazer o paciente comer, algo presente em certa fase do Alzheimer, são menores, há menos dificuldade para dar o remédio no horário certo e ele costuma ser mais tranquilo. A família faz toda a diferença”.

Posts de sucesso na página do facebook “vovó Nilva”

Além da troca de informações sobre o Alzheimer, os posts com os diálogos entre Fernando e Vovó Nilva foram fatores de sucesso da página. Confira alguns:

No elevador….

Eu: O que está fazendo, vó?

Vó: To abanando…

Eu: Eu sei, mas para quem?

Vó: Para a senhora ali!

Eu: Mas estamos sozinhos aqui!

Vó: Claro que não, ali do outro lado tem uma senhora me abanando de volta, olha.

Eu: Ah sim, agora vi, aquela senhora abanando ao lado de um bonito rapaz?

Vó: Não, aquela ali de preto!

Eu: É A ÚNICA!! Mas não é um bonito rapaz ao lado?

Vó: É, nem tinha visto! Abana para ela!

Eu: É O TEU REFLEXO NO ESPELHO, VÓ!

Vó: Quem, eu? Olha ali, ela é bem mais velha!

Eu: Claro, deve ter uns 80 anos né?

Vó: Sim, tadinha!

Eu: Tadinha mesmo, tadinha. Sorri e abana vó, abana! Tchau moça!!

Assistindo a amistoso da seleção em 2013…

Vó: O Pelé tá jogando?

Eu: Não vó, presta atenção no jogo! Pelé tá com 70 anos, se ele correr desse jeito vai infartar!

Vó: E o Garrincha?

Eu: Credo, esse morreu vó!

Vó: Morreu?

Eu: Claro!

Vó: E o Pelé!?

Eu: VÓ, O PELÉ NÃO ESTÁ JOGANDO!

Vó: Não chamaram o Pelé?

Eu: O Pelé tá velhinho vó, deve ter até osteoporose! Uma entrada dessas quebra o joelho do homem.

Vó: O Garrincha tá no campo?

Eu: TÁ VÓ, O GARRINCHA TÁ ALI Ó, NÚMERO 10, CORRENDO, OLHA LÁ O GARRINCHA!

 

CUIDADOR MERECE ATENÇÃO

Era outubro de 2012 quando a empresária Rosana Polisel, 52, natural de Mauá (grande São Paulo), recebeu uma ligação diretamente dos Estados Unidos que mudara completamente sua vida. Thomás, o mais velho de seus três filhos, à época com 28 anos, havia sofrido um acidente com paraquedas no Estado do Arizona que o deixara tetraplégico. Fã de esportes radicais, o jovem já tinha experiência com o salto, mas, em sua primeira aventura norte-americana, o aparato não abriu e ele caiu praticamente em queda livre, batendo com força a cabeça. O caso era gravíssimo, os médicos chegaram a perguntar se a família preferia desligar os aparelhos. Rosana não teve dúvidas. Largou tudo para cuidar do filho. “Eu não fiz um contrato para cuidar do meu filho só quando ele estivesse bem, é meu filho sempre, isso me levou a nunca questionar se eu fosse cuidar dele ou não. É o amor”.

Após várias cirurgias e internamentos, Thomás vive ao lado da família e sob os cuidados do home care, uma continuação do tratamento hospitalar em casa. Vários especialistas compõem a equipe de cuidados, mas Rosana, como ela mesma diz, fica em cima, não deixa passar nada sem seu parecer de mãe. Juntos eles vão a parques, à praia, assistem a filmes, ouvem música… Rosana está planejando até uma visita ao antigo local onde ele treinava os saltos, “é enfrentando os problemas que a gente se fortalece”, justifica, mas esclarece que não faz nada que ele não tenha vontade.

De acordo com o neurologista Fidel Castro Alves de Meira, é nítida a melhora de pacientes que convivem em ambiente familiar. A presença de pessoas íntimas podem proporcionar estímulos importantes e se transformar em interferência positiva, mas, no entanto, o cuidador também merece toda a atenção. “Muitos cuidadores podem apresentar doenças psiquiátricas, como depressão e ansiedade, e físicas, como dores articulares ou da coluna, devido à sobrecarga promovida pelas necessidades do paciente dependente”, explica o médico. Não é à toa que o geriatra Marco Tulio Cintra alerta: os cuidadores tendem a morrer em média seis anos mais cedo que a população em geral.

Para tornar a relação mais natural e menos pesada possível, nada melhor que abrir o jogo. “Eu converso muito com ele, o mais importante é ele estar seguro de que não é um peso pra mim, que eu faria isso por qualquer um dos irmãos. Eu sei que ele se culpa e não quero que isso aconteça”, declara Rosana. Assim, ela faz questão de mostrar que também cuida de si, faz ginástica, vai à terapia, ao salão de beleza, vaidade que o filho elogiava na sua “mamusca”, hoje bem menos ansiosa. “Aprendi a viver um dia de cada vez”.

Sandra Issida, empresária de Lagoa Santa (região metropolitana de Belo Horizonte), vive situação parecida à de Rosana. Há três anos, Renato Mariz, seu marido, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) e perdeu os movimentos do nariz para baixo. Uma série de diagnósticos errados fizeram parte de sua saga, hoje mais tranquila na casa toda adaptada para receber o marido. Intervenções no banheiro, na área da churrasqueira, ampliação do quarto e das portas foram algumas das modificações no lar, que também conta com o auxílio do home care. No quarto do casal, no andar de cima, ela não mexeu. “Digo pra ele: ‘vamos deixar o quarto do jeito que você deixou, porque quando você melhorar, você vai subir’”, conta Sandra.

Abraços e beijinhos

A empresária não se ilude, sabe das capacidades e dos limites de Renato, mas não desanima. “Se tem 1% de chance, vamos trabalhar essa chance, quando ele ficou internado aqui, muitos neurologistas diziam que ele não ia se recuperar, mas ele já melhorou, ele já sorri, já mexe o rosto, o ombro, balbucia alguma coisa”, conta ela, que já surpreendeu muitos especialistas com os relatos sobre o marido. Fora todos os estímulos que a constante presença dos profissionais acarretam, Sandra considera a positividade do ambiente uma das principais causas das melhoras. “Buscamos sempre focar no positivo, a gente ri de tudo, nunca tem aquela cobrança, sempre rimos da nossa cara. É uma aceitação do ridículo, há melhoras através do bom humor”, comenta a esposa, que não perde a oportunidade de abraçá-lo, beijá-lo. “Faz bem pra ele e pra mim.

Analista de sistemas, Renato sempre foi uma pessoa conectada. A tecnologia por controle óptico para computadores encontrada em uma feira de acessibilidade representou uma ótima solução para ele continuar adentrando no mundo virtual. Ele troca e-mails, acessa redes sociais e está inclusive escrevendo um livro sobre a sua percepção da situação, que deve ser lançado ainda este semestre, juntamente com uma cartilha com informações de cuidados pós-AVC.

O material é uma realização da Associação Mineira do AVC (Amavc), uma organização comunitária idealizada por Sandra para orientar e apoiar pessoas envolvidas com a doença, seja no âmbito da informação, tratamento e reabilitação.

Fique Bem

Dicas para os cuidadores manterem o pique
– Dedique um tempo a si mesmo
– Vá ao médico com frequência
– Pratique atividades físicas e de lazer.
– Converse muito com os familiares
– Compartilhe suas dúvidas e fraquezas
– Reconheça os próprios limites
– Conviva também com outras pessoas e ambientes
Fonte: geriatra Marco Tulio Cintra e psicóloga Marina Botelho
Quando o tema ganha as telas do cinema
Os Intocáveis (2011)  No filme francês, Philippe é um rico aristocrata que ficou paraplégico. Por tratá-lo de igual para igual, o jovem Driss consegue a função de cuidador e juntos vão conhecendo o universo um do outro e reforçando a amizade.

O Filho da Noiva (2001)  O filme argentino acompanha o empresário Rafael, cuja mãe tem Alzheimer. Seu pai, ateu, planeja realizar um casamento na igreja com sua mãe para agradá-la, mesmo sabendo que ela não pode ser participativa na cerimônia.

O Escafandro e a Borboleta (2007)  Um editor apaixonado pela vida sofre um derrame e acorda 20 dias depois, lúcido, mas movendo só o olho esquerdo. Ele aprende a se comunicar e cria um mundo próprio, contando com sua imaginação e memória.

 

Parabéns a todos do Jornal Pampulha, especialmente a repórter Barbara França.

Fonte: http://www.otempo.com.br/pampulha/reportagem

 

 

 

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